Eu tenho um aluno transgênero!

Comecei um novo placement (meu último estágio aqui no Canadá) na semana passada, com a idade que eu fui empurrando pro final – idade escolar. Meu maior desafio até hoje. Trocar fralda, limpar vômito, tudo molezinha perto de lidar com as crianças grandes, os pré-adolescentes cheios de voz, loucos para dar uma resposta atravessada.

Cheguei quietinha no meu canto, só observando. Comecei conversando com o grupo de meninas (me pareceram mais abertas), trocamos ideia que nem gente grande. Me contaram sobre as séries de TV que elas gostavam de assistir, das músicas, das redes sociais. Cada vez que os nossos interesses batiam eu me ligava do quanto eles eram independentes e crescidos, e me perguntava como eu poderia ser útil, o que mesmo eu estava fazendo ali?

Ontem, no fim do dia, chamei um grupo: “Meninas!”

Recebi uma olhada torta e alguém me disse: “A fulana é transgênero” – Todos olharam firme para a minha cara, ficaram esperando alguma reação. Acho que pensei por algum momento que alguém poderia estar brincando, me testando né? Respirei e lembrei do país que eu moro, da naturalidade que eles abordam questões LGBT e respondi: “Ah, desculpa. Como você gostaria que eu te chamasse?”

Fui conversar com a professora. Não por desconfiar de ninguém, mas para entender como que a escola, os pais e os alunos lidavam com a situação. E aí chega o Canadá e me impressiona mais uma vez, acho que eu perdi as contas de quantos tapas na cara (não literais) já levei desde que cheguei. A professora me falou que não existia questão, os pais estavam deixando a criança se descobrir e perceberam uma identificação com o gênero feminino, portanto o cabelo comprido, as roupas, sapatos. As crianças respeitavam a criança do jeito que ela quisesse se vestir, se comportar. E a escola liberou o uso dos banheiros que a Eve se sentir mais confortável para usar, feminino ou masculino.

Sem constrangimento, sem stress, sem textão nas redes sociais, somente mais um dia normal aqui em Toronto. Beijos de luz (convido a todos que façam um intercâmbio nesse país que é só amor)

 

Diferenças na Educação Brasil x Canadá

Recebo sempre muitas perguntas sobre como é estudar pedagogia no Canadá e quais as principais diferenças entre a Educação no Canadá e no Brasil e resolvi organizar todas aqui nesse post. Primeiramente preciso explicar que eu moro em Toronto, Ontario, então só posso falar sobre as regras da minha província, se sair de Ontario, as regras mudam e aí eu também não sei.

Pra começar o governo canadense investe muito na educação, o que significa que a maioria das escolas aqui são públicas, desde o Day Care até a faculdade. E além disso, existe uma cultura muito forte da população canadense em querer usufruir de tudo o que é público, também para fazer jus aos impostos pagos (que já são bem altos) ainda mais em Toronto. Inclusive nesse período que eu estou aqui o governo já investiu $16.3 bilhões para que as todas as escolas públicas dos 6 aos 14 anos sejam período integral. O governo fez esse investimento uma vez que era um motivo de muita reclamação entre os pais ter que buscar os filhos no meio da tarde, gastar com baby sitter ou atividades extra curriculares.  Fonte: http://www.edu.gov.on.ca/eng/parents/capital.html

Além disso, as comunidades são muito engajadas e, sempre que podem (e isso também é um costume canadense) ajudam financeiramente a escola da sua comunidade (bairro, região). Então é impressionante mesmo o quanto as escolas estão sempre muito bem cuidadas e com profissionais de excelência. Já falei aqui que as escolas recebem visitas surpresa de profissionais da saúde e higiene e organização (metro criteria) que são responsáveis pelo controle de qualidade de todas as escolas de Ontario. Se a escola não atender os pré-requisitos, portas fechadas ou profissionais demitidos (licenças retidas). Daí o surto com relação a higiene, saúde, e etc de todas as crianças.

Outra coisa que eu acho maravilhosa aqui no Canadá é a inclusão, pelo menos na minha área, existe um desejo muito grande para que as crianças desde cedo conheçam outras culturas, outras classes sociais, outras religiões, outras línguas, o outro em si. Portanto, sempre que fui procurar emprego fui recebida especialmente por ser estrangeira, eles vibram quando uma pessoa fala outras línguas e pode de certa forma representar alguma criança naquela escola. Todas as palavras nas escolas precisam ser escritas em, pelo menos, 5 línguas diferentes. A importância que as escolas dão para as famílias imigrantes, o modo que elas tem de acolher é muito bonito. Eu me orgulho muito de estar estudando em um país tão acolhedor e tão maravilhoso quando se tratando de educação.

Já contei aqui também sobre o método de ensino e, é claro que existem vários, mas o predominante (e também o que eu aprendo na faculdade) é o Play Based Curriculum, que propõe que as crianças até os 6 anos de idade aprendam brincando. O que significa que todas as atividades planejadas para o desenvolvimento das habilidades emocionais, sociais, cognitivas e motoras são aplicadas nos momentos do brincar (em sala ou no parque).

Eu confesso que já tinha morado nos Estados Unidos (quando me formei no colegial) e tinha certo preconceito com relação a educação norte americana, achava que ia sofrer bastante com relação ao método e as pessoas mas, o que eu tenho a dizer é que estou cada dia mais apaixonada pelo Canadá.

Sobre morar fora do Brasil

Só um parênteses que muita gente não entende do que é morar fora. Não vou ficar aqui falando do quanto foi difícil, de tudo que abrimos mão, e blá blá blá, mas do quão gratificante é receber uma notícia boa, do quão intenso as coisas ficam aqui e do quão gostoso é poder compartilhar as conquistas com quem a gente ama.

Postei essa foto da nossa sala porque ela representa tão bem a nossa vida aqui no Canadá. Imagina essa sala vazia (literalmente, nosso apartamento não era mobiliado), foi assim que chegamos aqui, sem absolutamente nada. Cada pequena conquista, cada cadeira, cada sofá que o Humbi carregou sozinho até a nossa casa (sem contar a cama) hahah tem sua história.

E sabe qual é o melhor? Poder chegar em casa no final do dia, olhar para tudo ao nosso redor, sentar no sofá e pensar “Caraca, olha tudo o que a gente já viveu aqui, olha tudo o que a gente já construiu.” Só de pensar me da um orgulho enorme, me da uma sensação maravilhosa de realização, de sucesso. E esse é só o começo, literalmente, estamos começando agora a colher os frutos de todo o nosso esforço, e já foram mais de 7 meses.

Eu nunca acreditei que a nossa família podia fazer TANTA falta nesses momentos. Temos muita sorte também de ter recebido nossos pais nessas últimas semanas, foi realmente uma injeção de energia, de força, de tudo. Somos muito gratos e seremos sempre de tudo o que eles fazem por nós.

Morar fora do Brasil é se jogar de olhos fechados e ir abrindo bem devagarzinho morrendo de medo de cair, mas cada vez mais ir voando confiante, com algumas derrapadas, mas pra frente e pra cima, sempre. Você que está pensando em largar tudo, largue tudo mesmo, largue o medo, largue o certo, largue o conhecido. E não pense que tem receita, ninguém pode viver por você, mas saiba que tem espaço sim, tem emprego, tem sucesso, basta querer. Boa sorte e Boa viagem!

Como é a inclusão no Canadá

Tenho recebido muitas perguntas sobre inclusão no Canadá e resolvi compartilhar um pouco da minha experiência daqui. Como já contei em outro post, trabalho de voluntária em uma escola específica que só possui crianças com necessidades especiais. Essa escola recebe crianças de 1 até 5 anos e as “prepara” para entrar em uma pré-escola com todas as crianças misturadas. As crianças vão recebendo um tipo de “alta” quando estão prontas para ingressar na pré-escola.

Quando me refiro a crianças com necessidades especiais aqui no Canadá, quero dizer casos bem severos, como por exemplo: paralisia cerebral, autismo severo, TOC severo (sensory processing disorder), alguns casos de síndrome de down, casos de crianças que nasceram com a musculatura nada desenvolvida (low muscle tone disorder) e o contrário também (high muscle tone disorder), entre outros…

Todas as crianças tem um fichário no seu próprio cubby que explica exatamente a condição da criança e as estratégias para o seu desenvolvimento. Essas crianças são acompanhadas semanalmente por uma psicóloga especializada, uma médica e uma terapeuta ocupacional. São esses profissionais que escrevem no fichário de cada criança quais as estratégias que deverão ser utilizadas e como. E também são eles que decidem quando a criança já está pronta pra entrar numa pré-escola regular.

Como professora voluntária, a minha função é exercer as estratégias determinadas para cada criança, conhecer e identificar a condição de cada criança, saber o que esperar de cada um e claro, compartilhar o desenvolvimento diário de cada criança para os médicos e psicólogos.

As estratégias variam para cada criança, mas a maioria é o estímulo da fala/comunicação, então: a repetição de palavras, utilização de frases simples e também a linguagem de sinais (sim, as crianças que não falam se comunicam por sinais). E também o desenvolvimento da coordenação motora, então: o estímulo da coordenação fina com brinquedos especializados.

Além disso, a rotina das crianças é igual a um centro regular: hora da roda, do lanche, da história, da música, da atividade sensorial, com só uma diferença: a hora do parque é a hora da academia (com aparelhos adequados para cada deficiência) e a hora da brincadeira livre é o horário do silêncio (quando cada voluntária desenvolve as principais estratégias com cada criança)

Outra característica é que é uma escola pública e conta com ajuda governamental e da comunidade para seu crescimento. Quem quiser conhecer a escola, este é o site: http://www.cicc.ca/